segunda-feira, 20 de abril de 2009

Roteiros Interiores




A voz dele chegou-lhe suave do outro lado da linha. Do outro lado do amor.

Foi no dia da mesma manhã em que a água lhe pareceu mais fria. Mais áspera a cair na pele nua que as suas mãos apertam na tentativa de reencontrar a sensação das dele. As dele. Que tacteiam agora coisas diferentes, coisas que ela não conhece. Do outro lado da paixão.

A voz dele fez com que ela percorresse outra vez todos os caminhos interiores que conduzem inevitavelmente aquela ternura tão forte que faz chorar. Aquela ternura que se sente poucas vezes numa vida. Do mesmo lado do amor.

Roteiros interiores de estradas humedecidas por lágrimas que ela já não sabe chorar. As que chora agora são diferentes. Não chegam a secar. Ele não está lá para as afastar.
Mas mesmo do outro lado da linha ela sente-lhe o carinho no olhar.
Quase adivinha o sorriso sincero no encontro das duas vozes. Aquele sorriso que gostava de poder guardar em qualquer sítio mais especial do que a simples memória. Do outro lado da vida.

Ela não conseguiu dizer-lhe tudo. Tentou, mas sabe que nunca se consegue dizer tudo.
Ás vezes, como uma criança, atira-se para cima da cama ao som de uma música antiga, e deixa-se ficar a imaginar que ele sabe. Que ele sabe tudo o que ela sente. E que acredita. Do outro lado do sonho.

Custou-lhe lembrar-se que a voz dele ia continuar depois de pousar o auscultador. Não para ela. Mas do outro lado da linha. Confortou-se com a suavidade que durante uns minutos a acariciou. Não foi sempre a voz dele uma carícia?... Do outro lado do tempo.

Ficou em silêncio. Fechou os olhos e deixou-se viajar.
Por espaços e recordações e sítios que não conhecem longe nem perto.
O auscultador suspenso na mão. Como se fosse só mais uma frase, como se fosse só mais um beijo. Suspensos...

Todo o amor que ela sente por ele. Aqui. Como uma brisa. Do outro lado de Mim.